Peço desculpa, desde já, por esta minha ausência prolongada, e espero que que a mesma não tenha desencorajado as três ou quatro almas estóicas da vizinhança, a deixar de frequentá-lo com alguma regularidade...
"Spider" de David Cronenberg
“Spider” de 2003, é uma adaptação de David Cronenberg da obra homónima de Patrick MacGrath.
O filme conta a história de um indivíduo, Dennis Cleg, que padece de uma patologia mental grave, e que, ao ser liberto da instituição psiquiátrica onde viveu largos anos da sua vida, é mandado para uma “halfway house” no seu antigo bairro.
No decorrer do filme, somos confrontados com as recordações - ou serão ilusões? - de Cleg (que as revive na terceira pessoa), reexperienciando assim, o homicídio da sua mãe às mãos de um pai brutal e a substituição desta por uma prostituta.
Importante para uma boa compreensão das motivações e idiossincrasias de Cleg (Spider), é a relação edipiana que este manteve com a sua mãe, e que determinou o seu relacionamento posterior com o sexo feminino; particularmente com Mrs. Wilkinson (brilhantemente interpretada por Miranda Richardson). A supervisora déspota do asilo para o qual Spider é mandado.
Convém dizer que estamos perante um filme atípico na carreira de David Cronenberg.
Atípico, porque o realizador que se consagrou como criador do cinema de “terror venéreo”, tendo no corpo humano e numa experiência eminentemente neurótica e grotescamente estilizada da sexualidade, a temática por excelência da sua obra (são exemplos disso filmes como, “Naked Lunch,” “The Brood,” ou ”Videodrome“, entre outros); opta por fazer uma abordagem do livro de Patrick McGrath, que se poderia ter como sendo mais contemplativa e sobretudo, desapaixonada da personagem principal.
De facto, quando analisamos Dennis Cleg, torna-se logo à partida notória, uma sensação de que estamos a desempenhar um papel acrítico de “voyeur“, no inferno pessoal de uma personagem atormentada pelos seus fantasmas.
Esta sensação, é-nos feita sentir inteligentemente pelo realizador, da forma como filma Cleg: Distanciada e com uma ligeira elevação, remetendo-o contra o cenário e como que o confinando a uma realidade feia e inóspita.
Também contribui para esta particularidade, a ausência de um factor que poderia tornar o enredo algo frágil, não fosse o realizador verdadeiramente talentoso:
- O protagonista principal não sofre qualquer mudança!
Ao contrário de Max Renn de “Videodrome” ou Seth Brundle de “The Fly”, ambos personagens dentro de uma certa normalidade, que são expostos a circunstâncias extraordinárias, influenciando assim profundamente o seu arco dramático, Dennis Cleg já passou pelas vicissitudes que seriam de esperar, dentro do conflito do filme. O mesmo não é mais, por isso, como que um relembrar deste, das situações que influenciaram a sua condição presente, à espera de uma conclusão que, infelizmente, nunca chegará para si.
Tecnicamente, “Spider” não é o melhor filme de Cronenberg, embora conte com alguns pontos fortes; nomeadamente interpretações soberbas por parte de Ralph Fiennes e Miranda Richardson (esta última com aquele que será indubitavelmente o papel da sua carreira), décors muito bem pensados, eficazes em remeter o espectador para a atmosfera lúgubre e densa do mundo operário e limítrofe da East End de Londres, e uma planificação cuidada e inteligente das sequências.
Mas vale sobretudo, por uma incursão problematizada pelos meandros da psique humana e das motivações subconscientes da nossa natureza, tema tão querido aos autores do cinema fantástico.
Nesse prisma, o real valor deste filme, residerá não tanto na excelência de um ponto de vista da técnica cinematogáfica, mas no esforço conceptual empregue por Cronenberg, no sentido de conferir a Spider uma visão original em termos da narrativa, fugindo assim de certos lugares comuns a este tipo de cinema.
2 comentários:
humm, Spider. Já o vi há tanto tempo que nem me lembro do desfecho, mas gostei bastante do emaranhado psicológico do filme. E o cinema do Cronenberg é muito apelativo para mim...
gosto muito deste e de outro atipico dele Dead Zone, com o Chritopher Walken
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