terça-feira, 19 de junho de 2007

Cursos de cinema nas universidades portuguesas: A mediocridade como padrão

Ser aluno de um curso superior no âmbito das artes em Portugal, já é, em si, uma tarefa ingrata.
Para além de se ter que cumprir um programa inflexível e profundamente atrofiante em termos criativos, a situação foi recentemente agravada pela uniformização imposta pelo tratado de Bolonha. Como se o modelo académico tradicional não fosse já em si completamente desadequado ao ensino das artes plásticas e do cinema, o departamento governativo (MCTES) que, teoricamente, deveria zelar por um bom funcionamento destas instituições, há muito que se descartou de se responsabilizar por elas. Delegando assim as respectivas funções administrativas aos mais variados lobbies.

Acha o Sr. Ministro da Ciência (isto explica muita coisa), Tecnologia e Ensino Superior, que o que faz falta ao país são gestores de marketing. E engenheiros informáticos. E economistas. De resto, qualquer coisa que fuja aos parâmetros mercantilistas e utilitários do Dr. Mariano Gago e outros tantos que o precederam, encaixam nessa coisa estranha e distante que é a cultura. Tão estranha e distante, aliás, que precisaram de inventar toda uma nova nomenclatura para designar o trabalho desse segmento tão sui generis da sociedade. Nasce então esse aborto chamado "produto cultural". Uma designação completamente idiótica, fruto da necessidade incompreensível por parte da classe governante, de justificar em termos de utilidade ao mercado, a existência dessa malta esquisita que anda por aí a fumar ganzas e a fazer sei lá o quê, o dia todo...

Mas não querendo fugir muito do tópico em questão, a grande problemática das instituições de ensino superior que se dedicam a esta área, incide no facto de estarem entregues, literalmente, ao mais sinistros lóbbies. E estes controlam o ensino em função das suas agendas, escudadas por por um sistema de ensino bolorento e ultrapassado, e nunca nos melhores interesses dos alunos. Mas interessante mesmo, é verificar como é que dentro desses grupos de pressão se degladiam, perfeitamente às claras, posições conflituosas que chegam mesmo a fazer com que duas universidades que leccionam o mesmo curso, sejam tidas como rivais uma da outra. Tudo numa luta incessante pelo controlo, a nível nacional, da área que leccionam.

Vamos falar de dois casos em particular.
Em Portugal, temos dois cursos de ensino superior, claramente vocacionados para o cinema: a ESTC e a Moderna (eu sei que existem também cursos desse âmbito na Lusófona e da UBI, mas são, penso, cursos de um cariz mais lato e não entram nesta equação).
A ESTC, uma universidade pública, desde há muito que mantém uma política de discriminação baseada em critérios fantásticos, que nada têm a ver com a capacidade real do proponente em dedicar-se a uma carreira como cineasta. Estes traduzem-se em coisas tão bizarras como perguntar, na ficha de inscrição, qual a rúbrica de rádio preferida do candidato (tá tudo a ouvir o Ritornello da Antena 2, para jogar pelo seguro). Isto até nem pareceria tão exótico, não fossem as escolhas do mesmo serem posteriormente classificadas de 0 a 20, de acordo com o parecer do júri!
É, de facto, uma situação deveras intrigante. Pergunto-me o que sentirá um aluno vindo do secundário, que se depare com um comité destes tipos a fazerem uma pré-selecção:

- Hmmmmm, o tipo africano da direita deve gostar de kizomba. Acho que vou pôr aqui na ficha, a rádio Luanda. Mas por outro lado, palpita-me que o cota com aspecto de quem manda nisto, gosta de música clássica. Acho que se calhar opto mas é pela Luna...

Enfim, isto é só um cheirinho do que espera o desgraçado nos próximos 3 ou 4 anos. Uma interminável sessão de festinhas a doutos egos, pela possibilidade infíma de que, num futuro mais ou menos próximo, possa conseguir um subsídio do ICAM (esse resquício do tempo do botas) para realizar a sua curta metragem. É afamada, aliás, a estreita conivência entre estas duas instituições. A ESTC foi, durante muito tempo, a única escola de cinema do país, e é natural que existam fortes ligações (leia-se tachos) entre as duas.

Só se sujeita quem quer, é certo.
Mas não deixa de ser algo triste que numa área onde já existem milhentos entraves ao bom porto de tantos projectos potencialmente interessantes, se ter ainda que fazer jogo sujo debaixo da mesa, por algumas migalhas... Migalhas, que numa sociedade onde a cultura é encarada como um bem de consumo como qualquer outro, e julgada por quão bem cotada está a nível de mercado, se transformam em recursos indispensáveis...

Por outro lado temos a Moderna. Essa universidade, tão famosa pelas razões mais infames!
O curso de cinema da Moderna pretende constituir, nas palavras dos seus responsáveis, um "plano novo para o cinema nacional". Mas exactamente, no que consta esse plano?
Segundo os supracitados, na sua larga maioria individuos que por uma razão ou por outra, foram ostracizados e remetidos ao esquecimento pela "nata intelectual" da crítica cinematográfica; ele corresponde à criação de uma espécie de hollywood à portuguesa... Sem dinheiro!
Ou seja, partem do princípio que os portugueses, esse mui nobre povo, está mais do que disposto a consumir um cinema de cariz comercial, feito com poucos recursos, pelo único facto de que é nacional! Está-se mesmo a ver...
Eu por mim, mal posso esperar pelo adaptação do "Eu, Carolina" pelo João Botelho! Esse sim, vai ser um thriller revolucionário! Ainda por cima, se se lembrarem de inserir as mamas da Soraia Chaves, pelo menos umas 15 vezes ao longo do filme...
Na mente destes génios, como os cineastas cá do burgo são uns pretensiosos que têm a mania que só fazem "cinema de autor", a indústria cinematográfica nacional (aí está outra vez a lógica de mercado), está-se a ressentir. Isto é uma situação preocupante, para mais porque o dinheiro investido nos filmes é dos contribuintes, e eles querem é ver efeitos especiais arrojados e as mamas da Soraia Chaves, em vez de diálogos fastidiosos ou tratados sobre as vanguardas estéticas do momento.
Já foi um escândalo do arco da velha com o "Branca de Neve", não repitamos a graçola!

Este é um paradoxo, aliás, recorrente na sociedade portuguesa:

- Gastam-se fortunas a construir estádios de futebol e ninguém se queixa. Mas há um gajo qualquer que gasta uns trocos a fazer um filme, e de repente são todos académicos, com um vasto conhecimento teórico sobre a natureza do cinema...

Enfim, é lastimável a situação em que vive o ensino superior artístico em Portugal. Uma situação que muito certamente, pouco ou nada mudará em tempos vindouros, devido sobretudo à ilimitada estupidez de quem tem interesses alheios ao bom funcionamento do mesmo. Valham-nos escolas como o Ar.Co, que embora com parcos recursos, oferecem programas pedagógicos imcomparavelmente superiores. Talvez não fosse má ideia se as supostas universidades, que ministram uma educação supostamente superior, parassem para pensar um pouco e optassem por se reestruturar de cima a baixo. Quer-me parecer que seria algo em que todos sairiam a ganhar...









3 comentários:

Marcel disse...

Olá Severin.
Eu sou brasileiro e encontrei o seu blog procurando por cursos de cinema para minha esposa em Portugal.
Eu tenho algumas dúvidas, e, se possível, gostaria de fazer algumas perguntas para ti.
Vi pelo seu perfil que tens um gosto para filmes, música e livros parecido com o nosso. Também vendo os posts dá pra perceber que tens uma visão parecida com a nossa acerca do cinema mais conservador comparado a um mais criativo e livre.
Gostaria de saber se poderia fazer algumas perguntas a ti por e-mail.
Desde já agradeço pela atenção.
O meu e-mail é marcelmhs@yahoo.com.br.

SunShi!ne et Blue.Star disse...

Ola. Sou mocambicana e estou a pensar em ir ai p Portugal para estudar cinema. Mas pouco sei sobre o ramo. Gostava de saber se posso falar ctg p ajudares-me a comparar as universidades, curriculos e escolher o melhor lugar para fazer o curso.
O meu e-mail ccapitine@gmail.com

Neusa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.